29/07/2022

Um breve comentário à oração da Ave Maria: "Ave Maria... o Senhor é convosco"

Artigos da série: [1] [2] [3] [4] [5]

Artigo de André Aloísio publicado no blog do Pocket Terço, dia 29/07/2022.
A oração da Ave Maria consiste basicamente em três partes: a saudação de São Gabriel Arcanjo (“Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco”, de Lc 1, 28), a saudação de Santa Isabel (“Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”, de Lc 1, 42) e a súplica (“Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”).

As duas primeiras partes da oração, retiradas da Bíblia, que são um louvor à Nossa Senhora, já aparecem, com pequenas alterações, na Liturgia de São Tiago, em Jerusalém, no séc. IV. Essas partes, na forma atual, sem o nome de Jesus, foram incluídas na Liturgia Latina pelo Papa São Gregório Magno, no séc. VI. No séc. XI, a oração começou a se tornar popular a partir dos mosteiros com o nome de “Ave Maria”. A terceira parte, que envolve a súplica, surgiu entre os séculos XIII e XIV e assumiu a forma atual no séc. XV, quando também se acrescentou o nome de “Jesus” ao final da segunda parte. A oração Ave Maria, com a forma atual, foi divulgada no breviário de 1568 pelo Papa São Pio V.

Neste artigo, vamos examinar a primeira parte da Ave Maria, a saudação de São Gabriel Arcanjo, em Lc 1, 28, para descobrirmos o que ela nos ensina sobre Nossa Senhora. A expressão “cheia de graça”, porém, será deixada para um artigo futuro.

“Ave Maria […] o Senhor é convosco”

A oração começa com a saudação “Ave Maria”. A palavra “ave” era a saudação comum na Roma antiga, com o significado de “salve”. Ela traduz a saudação grega comum “chaire” (“alegra-te”), usada pelo Arcanjo Gabriel em Lc 1, 28. Nessa saudação, podemos aprender pelo menos três coisas sobre a Virgem Maria.

Em primeiro lugar, a saudação do Arcanjo Gabriel à Nossa Senhora e o diálogo que a sucede (até o verso 33) fazem uso de duas passagens do Antigo Testamento, Sf 3, 14-17 e Zc 9, 9, como pode ser percebido abaixo:

“Alegra-te, cheia de graça!” (Lc 1, 28a); “Exulta, filha de Sião, prorrompe em gritos, Israel, alegra-te e rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém!” (Sf 3, 14); “Enche-te de grande júbilo, filha de Sião, prorrompe em gritos, filha de Jerusalém!” (Zc 9, 9a).

“O Senhor está contigo” (Lc 1, 28b); “[…] o SENHOR, está em teu meio […] O SENHOR teu Deus está no teu meio” (Sf 3, 15b.17).

“Não temas, Maria! Encontraste graça junto a Deus” (Lc 1, 30); “Não temerás mais o mal. Naquele dia, será dito a Jerusalém: ‘Não temas, Sião, não desfaleçam tuas mãos!’” (Sf 3, 15c-16).

“Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus [que significa “O SENHOR salva”]. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc 1, 31-33, meus colchetes); “O rei de Israel, o SENHOR […] Valente, ele salvará” (Sf 3, 15b.17b); “Eis que teu rei vem a ti; ele é justo e salvador” (Zc 9, 9b).

Essa estreita ligação entre a saudação à Virgem Maria e essas passagens do Antigo Testamento mostra que

“Maria é a filha de Sião, a quem são dirigidas as palavras daquele texto, a quem é proclamado o ‘Alegra-te’, a quem é dito que o Senhor virá até ela; dela é retirado o temor, pois o Senhor está com ela, para salvá-la […] ela é a verdadeira Sião, a quem se dirigem as esperanças em todas as desolações da história. Ela é o verdadeiro Israel, em quem a Antiga e a Nova Aliança, Israel e a Igreja, são uma coisa só, inseparável. Ela é o ‘Povo de Deus’, que dá fruto a partir do poder da graça de Deus” (RATZINGER, Joseph. A filha de Sião. São Paulo: Paulus, s.d., cap. 2).

Segundo, a expressão “o Senhor é convosco” da oração Ave Maria, baseada em “o SENHOR está no teu meio” de Sofonias, também chama a atenção para outro paralelo importante entre a Virgem Maria e a cidade de Jerusalém: assim como o Senhor estava no meio de Jerusalém, por habitar no seu templo, o Senhor viria habitar em Maria Santíssima como um verdadeiro templo. Isso fica mais claro especialmente pela fala do Arcanjo Gabriel no versículo 35: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus”. A imagem do poder do Altíssimo cobrindo a Virgem com sua sombra vem da Shekinah, a presença e glória de Deus que se manifestava como uma nuvem cobrindo a Tenda de Moisés (Ex 40, 35). Como um novo templo, Maria seria coberta por essa presença gloriosa de Deus.

Finalmente, por uma incrível coincidência (entenda-se “providência”), a saudação latina “Ave” é exatamente o contrário do nome latino para “Eva”, a primeira mulher, “mãe de todos os viventes” (Gn 3, 20). Muitos Doutores da Igreja viram nesse fato uma ilustração providencial de uma verdade bíblica também ensinada na Anunciação: a Virgem Maria é a última Eva que, com sua obediência (“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” – Lc 1, 38), reverte os efeitos da desobediência da primeira Eva e se torna a nova Mãe dos viventes (cf. Jo 19, 26-27). Santo Irineu e Santo Epifânio expressam muito bem essa realidade:

“Como esta [Eva], ainda virgem se bem que casada […] pela sua desobediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da morte, assim Maria, tendo por esposo quem lhe fora predestinado e sendo virgem, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da salvação. […] O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva amarrara pela sua incredulidade Maria soltou pela sua fé. […] Assim como Eva foi seduzida pela fala de anjo e afastou-se de Deus, transgredindo a sua palavra, Maria recebeu a boa-nova pela boca de anjo e trouxe Deus em seu seio, obedecendo à sua palavra. Uma deixou-se seduzir de modo a desobedecer a Deus, a outra deixou-se persuadir a obedecer a Deus, para que, da virgem Eva, a Virgem Maria se tornasse advogada. O gênero humano que fora submetido à morte por uma virgem, foi libertado dela por uma virgem; a desobediência de uma virgem foi contrabalançada pela obediência de uma virgem” (SANTO IRINEU. Contra as Heresias. São Paulo: Paulus, s.d, 3, 22, 4; 5, 19, 1).

“Eva, mãe de toda a raça humana, prefigurou Maria, e este nome deve ser aplicado adequadamente a ela; na verdade, é de Maria que deriva a verdadeira Vida para o mundo; é ela que dá à luz o Vivente; é ela a Mãe dos viventes” (SANTO EPIFÂNIO. Contra as Heresias, 78, 18).

Aprendemos, desse modo, que ao saudarmos Nossa Senhora com a saudação do Arcanjo Gabriel, reconhecemos nela a verdadeira Jerusalém, o novo templo e a última Eva. Em resumo, Maria Santíssima é a personificação da Igreja: Povo de Deus, Templo do Espírito Santo, Esposa do último Adão (Cristo) e Mãe de todos os cristãos.

Leia também os outros artigos da série “Um breve comentário à oração da Ave Maria”:

“Cheia de graça”
Saudação de Santa Isabel (Parte 1)
Saudação de Santa Isabel (Parte 2)
Súplica à Santa Maria, Mãe de Deus

27/07/2022

A Bíblia ensina o dogma da Virgindade Perpétua de Maria?

Artigos da série: [1] [2]

Artigo de André Aloísio publicado no blog do Pocket Terço, dia 27/07/2022.


Em um artigo anterior, vimos que a Bíblia não é contra o dogma da virgindade perpétua de Maria. Mas será que a Bíblia ensina o dogma da virgindade perpétua de Maria, ou esse dogma só foi transmitido pela Tradição oral? A resposta a essa pergunta é possível através de duas linhas de argumentação.

A Bíblia insinua que o Senhor Jesus era o filho único da Virgem Maria

Em primeiro lugar, algumas passagens bíblicas insinuam que o Senhor Jesus era o filho único da Virgem Maria.

Em Lc 2, 40-52, quando o Menino Jesus tinha doze anos e foi a Jerusalém com seus pais, nenhuma menção é feita a outros filhos de São José e Nossa Senhora. A passagem fala apenas de “parentes” (“syngenes”), palavra ampla que indica pessoas pertences a uma mesma família ou clã, numa extensão maior que a da família nuclear (cf. Mc 6, 4; Lc 21, 16). Jesus aparece, assim, como o filho único da Virgem Maria. Se Nossa Senhora teve outros filhos além de Nosso Senhor, era de se esperar que ela já os tivesse depois de doze anos do nascimento do Cristo.

Em Mc 6, 3, quando o Senhor Jesus vai a Nazaré e começa a falar na sinagoga, as pessoas perguntam: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria…?” (cf. Mt 13, 55). O grego usa um artigo definido em “o filho de Maria”, dando a entender que Jesus é o filho único de Maria Santíssima. Se a Virgem tivesse outros filhos, o artigo definido não teria sido utilizado.

Finalmente, em Jo 19, 26-27, quando o Senhor Jesus Cristo está na cruz, ele entrega sua Mãe aos cuidados do discípulo amado (São João): “‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis tua mãe!’ A partir daquela hora, o discípulo a acolheu em sua casa”. Essa ação do Cristo só faz sentido se ele é o filho único da Virgem. Se ela tivesse outros filhos, teria sido entregue aos cuidados deles.

Se o Senhor Jesus é o filho único da Virgem Maria, como é insinuado nas passagens bíblicas acima, e assumindo que não havia problemas de esterilidade na Sagrada Família, somos levados a entender que não houve relação sexual entre Nossa Senhora e São José. Essa inferência é confirmada pela segunda linha de argumentação.

A Bíblia sugere que a Virgem Maria fez um voto de virgindade

A narrativa da Anunciação, em Lc 1, 26-38, sugere que a Virgem Maria fez um voto de permanecer virgem. Nessa passagem, o anjo Gabriel aparece à Virgem (Lc 1,26-28) e anuncia que ela terá um filho (Lc 1, 31-33). Nossa Senhora, porém, pergunta: “Como acontecerá isso, se não conheço homem algum?” (Lc 1, 34).

Essa pergunta da Virgem Maria pode parecer sem sentido. Como o anjo não lhe disse que a concepção seria imediata (apesar de que seria) e como ela era noiva de São José (Lc 1, 27), seria natural que ela entendesse que teria um filho através do seu futuro casamento com São José. Mas Nossa Senhora não considera essa possibilidade.

A explicação para isso está em sua afirmação: “não conheço homem algum”. O verbo “conheço” em grego (“ginosko”), que aqui significa “conhecer” no sentido sexual (cf. Mt 1, 25), está no tempo presente do modo indicativo, o que no grego frequentemente indica um presente costumeiro, usado para uma ação que acontece regularmente ou para um estado contínuo. Nossa Senhora não está dizendo apenas que nunca conheceu um homem até aquele momento, mas que nunca conheceria um homem em toda a sua vida. Não conhecer homem algum era um estado contínuo para ela. Ou seja, a Virgem Maria tinha feito um voto de permanecer virgem, mesmo após seu casamento com São José, e por isso ela estranha o anúncio do anjo de que teria um filho.

Isso não é impossível. Ainda que o voto de virgindade fosse incomum entre os judeus, não era completamente estranho. Além de São João Batista, o Senhor Jesus e possivelmente alguns dos apóstolos (como São João), alguns judeus da comunidade dos essênios também praticavam o celibato.

Mesmo com um voto de virgindade, Nossa Senhora foi dada em casamento a São José, como era o costume entre os judeus. Mas podemos imaginar que, sendo um homem justo (Mt 1, 19), quando São José soube desse voto, não o anulou (cf. Dt 30), e também se comprometeu a um ideal de virgindade (cf. Mt 1, 25).

As duas linhas de argumentação acima nos levam a responder afirmativamente a pergunta inicial. A Bíblia não apenas não é contra o dogma da virgindade perpétua de Maria, como também ensina essa verdade de fé. Manifestemos, portanto, nossa fé nesse dogma, rezando:

Ave, Rainha do céu;
ave, dos anjos Senhora;
ave, raiz, ave, porta;
da luz do mundo és aurora.
Exulta, ó Virgem tão bela,
as outras seguem-te após;
nós te saudamos: adeus!
E pede a Cristo por nós!
Virgem Mãe, ó Maria!

Leia também: A Bíblia é contra o dogma da Virgindade Perpétua de Maria?

Assista também: Qual a finalidade da virgindade perpétua de Maria?

22/07/2022

A Bíblia é contra o dogma da Virgindade Perpétua de Maria?

Artigos da série: [1] [2]

Artigo de André Aloísio publicado no blog do Pocket Terço, dia 22/07/2022.

Nos dias atuais, é comum encontrar pessoas afirmando que a Bíblia é contra o dogma da virgindade perpétua de Maria. Elas apresentam alguns versículos bíblicos que supostamente provam que Nossa Senhora teve outros filhos biológicos depois de Jesus. Vamos examinar essas passagens das Escrituras, para, como os bereianos (At 17, 11), verificarmos se as coisas são, de fato, assim.

Lucas 2, 7: Jesus é o “filho primogênito” da Virgem Maria

Primeiro, argumenta-se que o fato de Jesus ser chamado de “filho primogênito” da Virgem Maria, em Lc 2, 7, indica que ela teve outros filhos.

O problema desse argumento é que o termo “primogênito” na Bíblia não indica o primeiro filho entre outros, mas o filho que não teve predecessor, que abriu a madre, mesmo que seja filho único. Isso pode ser percebido no uso de “primogênito” em Ex 13, 1-2: “O SENHOR falou a Moisés: ‘Consagra-me todo primogênito no meio dos israelitas: todo primeiro a sair do útero, quer homem, quer animal, será meu’”. Além disso, o resgate do consagrado deveria acontecer com um mês de vida (Nm 18, 16). Se “primogênito” significasse o primeiro filho entre outros, cumprir esse mandamento seria impossível, pois não seria possível prever a geração de outros filhos quando o primeiro fosse um recém-nascido. Logo, Jesus é chamado de “filho primogênito” de Nossa Senhora, não para indicar que ela teve outros filhos depois de Jesus, mas para mostrar que ela não teve outros filhos antes dele, pois era virgem.

Mateus 1, 25: São José não conviveu com a Virgem Maria enquanto ela não deu à luz a Jesus

O segundo argumento baseia-se em Mt 1, 25, que afirma que São José não “conviveu” (“teve relações sexuais com”) a Virgem Maria “enquanto não deu à luz o filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus”, o que implicaria que São José teve relações com ela após o nascimento de Jesus.

Esse argumento falha ao não considerar que o termo “enquanto” ou “até”, tanto em grego (“heos”) quanto em hebraico (“’ad”), indica apenas que algo aconteceu ou não aconteceu até certo momento, não implicando que a situação tenha mudado depois desse momento. Alguns exemplos são: “E Micol, filha de Saul, não teve filhos até o dia da sua morte” (2Sm 6, 23); “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28, 20). Micol, obviamente, não teve filhos depois de sua morte, e Jesus não deixará de estar conosco após a consumação do século (1Ts 4, 17). Do mesmo modo, Mt 1, 25 não implica que São José se relacionou sexualmente com Nossa Senhora depois do nascimento de Jesus, apenas indica que São José não o fez antes do nascimento dele, para preservar a verdade de que Maria Santíssima era virgem.

Mateus 13, 55-56: Jesus tinha irmãos

Um terceiro argumento afirma que, se Jesus tinha irmãos (Mt 12, 46-47; 13, 55-56; Jo 2, 12; 7, 3. 5. 10; At 1, 14; 1Cor 9, 5; Gl 1, 19), segue-se que a Virgem Maria teve outros filhos.

Esse argumento também é problemático por várias razões:

Em primeiro lugar, esses irmãos de Jesus nunca são chamados de filhos da Virgem Maria na Bíblia.

Segundo, o termo “irmão”, tanto em grego (“adelfos”) quanto em hebraico (“ach”), nem sempre é usado para indicar filhos de um mesmo pai ou mãe. Em Gn 14, 14. 16, tanto no Texto Hebraico quanto na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento), Abrão é chamado de “irmão” de Ló, apesar de ser o tio dele: “E ouviu Abrão que foi preso seu ‘irmão’… E trouxe de volta todos os bens, e também Ló, seu ‘irmão’”. O mesmo uso geral de “irmão” acontece em Gn 29, 15, onde Jacó é chamado de “irmão” do seu tio Labão.

Terceiro, os chamados “irmãos” de Jesus se comportam na Bíblia como se fossem mais velhos do que Jesus. Eles lhe dão conselhos (Jo 7, 3-4) e tentam prendê-lo por acharem que ele estava louco (Mc 3, 21. 31-35), o que na antiguidade e na cultura oriental, apenas irmãos mais velhos poderiam fazer com irmãos mais novos, nunca o contrário. Como Jesus é o filho primogênito de Nossa Senhora, esses “irmãos” mais velhos de Jesus não podem ser filhos dela. Eles podem ser parentes mais distantes, como primos.

1 Coríntios 7, 5: Os cônjuges não devem se abster de relações sexuais

Por fim, argumenta-se que São Paulo desaconselha um casamento onde os cônjuges não se relacionem sexualmente, em 1Cor 7, 5: “Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum acordo e por um tempo oportuno, para vos entregardes à oração. Depois, uni-vos novamente, para que Satanás não vos tente, por causa de vossa incontinência”. Logo, São José e a Virgem Maria devem ter se relacionado sexualmente.

Esse argumento também não se sustenta, pelos seguintes motivos:

Primeiro, o argumento utiliza um princípio geral dado para casamentos ordinários e o aplica numa situação muito específica de uma família extraordinária. A Sagrada Família está longe de ser comum: há uma virgem mãe, um pai adotivo e um filho Deus. Não se pode assumir que o casamento nessa família seja comum. Além do mais, Nossa Senhora e São José se abstiveram da relação sexual por nove meses, segundo Mt 1, 25, o que está longe de ser comum.

Segundo, o próprio São Paulo admite a possibilidade de abstinência sexual dentro do casamento por algum tempo, cuja duração não é informada, ainda que seja assumida como limitada. Se tal abstinência é possível em um casamento comum, não seria estranho que ela existisse também em um casamento incomum, de maneira incomum.

Por fim, o argumento prova demais, pois se o princípio colocado por São Paulo fosse absoluto, sem exceção alguma, cônjuges que estão impossibilitados de se relacionarem sexualmente por algum motivo (saúde, viagem etc.) estariam violando o princípio, o que seria absurdo.

Concluímos, assim, que na Bíblia nada há contrário ao dogma da virgindade perpétua de Maria. Diante desse fato, aproveite para invocar Santa Maria como a “Virgem gloriosa e bendita”, rezando a antiga oração mariana Sob a vossa proteção.

Leia também: A Bíblia ensina o dogma da Virgindade Perpétua de Maria?

Assista também: Qual a finalidade da virgindade perpétua de Maria?


20/07/2022

A oração do Rosário é uma repetição sem sentido?

Artigo de André Aloísio publicado no blog do Pocket Terço, dia 20/07/2022.

Você provavelmente já se deparou com pessoas que acusam os católicos de fazerem vãs repetições ao orarem o Rosário. Essas pessoas usam traduções da passagem de Mateus 6, 7, que dizem o seguinte: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” (Almeida Revista e Atualizada). Porém, um exame desse versículo no idioma original demonstra que essa tradução, e a sua consequente interpretação, são equivocadas.

O verbo grego traduzido como “useis de vãs repetições” (“battalogeo”) aparece apenas nesta passagem em todo o Novo Testamento. Fora da Bíblia, esse verbo só aparece em um autor, em uma forma um pouco diferente (“battologeo”), e o substantivo equivalente (“battologia”) em dois autores, com o sentido de “tagarelar”, “falar à toa”, “falar sem pensar”, “conversa tola”.

Desse modo, o Senhor Jesus Cristo não está condenando fazer repetições na oração, mas falar demais sem a devida reflexão. Isso também pode ser percebido pelo restante do versículo acima, que menciona o “muito falar” (“polylogia”). Uma melhor tradução de Mateus 6, 7, portanto, seria a seguinte: “Quando orardes, não useis de muitas palavras como fazem os gentios, pois eles pensam que à força de muitas palavras serão atendidos” (Tradução oficial da CNBB).

Jesus não poderia estar proibindo repetições na oração, porque isso acontece na Bíblia o tempo todo. Abraão repetiu várias vezes a mesma pergunta para Deus em Gênesis 18, 22-33. No Salmo 135 (136), o salmista repete várias vezes o refrão “sua misericórdia é para sempre”. Os seres viventes de Apocalipse 4, 8 repetem dia e noite no céu: “Santo! Santo! Santo! Senhor Deus Todo-Poderoso, aquele ‘que era, que é e que vem’!”. E o próprio Senhor Jesus repetiu a mesma oração três vezes no Jardim do Getsêmani: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice. Contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mateus 26, 39. 42. 44).

Longe de ser algo proibido, fazer repetições na oração é algo esperado daqueles que amam. Quando eu namorava minha esposa, escrevi uma carta a ela em que eu lhe dizia “Eu te amo!” repetidas vezes, preenchendo várias linhas e folhas. Provavelmente ninguém veria isso como uma vã repetição, mas como uma verdadeira manifestação de amor. Da mesma forma, repetir “Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o vosso nome”, “Ave Maria, cheia de graça, […] bendita sois vós entre as mulheres”, “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, não é nada mais do que o transbordar de um coração que tanto ama que não consegue dizê-lo apenas uma vez.

Você ama a Deus de todo coração? Você ama Nossa Senhora como sua Mãe? Que tal demonstrar esse amor neste momento, rezando um Terço e repetindo várias vezes o quanto você os ama? O Senhor lhe convida: “mostra-me o teu rosto e a tua voz ressoe aos meus ouvidos, pois a tua voz é suave e o teu rosto é lindo!” (Cântico dos Cânticos 2, 14).

Assista também: Como explicar sobre as repetições do Terço?

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